terça-feira, 23 de setembro de 2008

O MAIS BELO TRUNFO DO ESCRITOR É























FAZER PENSAR OS QUE PODEM PENSAR.

(DELACROIX)



A FESTA DO PERU 
(O PERU DA FESTA)
TÉRCIO STHAL


Glu, Glu, Glu, Sou Ed, o Peru.
Até ontem eu não estava bem,
estava nervoso e vermelho de raiva.

Desde mui pequeno as pessoas
perturbam-me com seus assovios
desafinados, estridentes e irritantes.

Todo o tempo parecia pouco para eles 
me provocarem e rirem de mim,
como se eu fosse um palhaço.

Desagradáveis, por natureza, 
fazem de tudo para esgotar
minha paciência e me tirar do sério.

Sempre procurei manter
a pose, mas não sou de ferro.

Glu, Glu, Glu, sempre quis mandar
essas pessoas assoviar na banda,
tomar banho de sol longe de mim,
ou sei lá o quê...

Reconheço que muitas vezes sou
grosseiro, deselegante e deseducado,
mas também é fora de propósito
o que fazem comigo...

Grito em alto e bom som,
estufo o peito, abro as penas em leque,
bufo como um búfalo para assustá-las,
mas fingem não me ouvir.

Glu, Glu, Glu, minha vida tem sido
uma sucessão de situações
muito desagradáveis.

Cresci, estou mais gordo e bonito,
minha plumagem está bem mais colorida,
mas não aprendi a suportar
os que tem por mania me 'aporrinhar'.

Quando reajo, ouço as pessoas a dizer:
"Como é besta este Peru!"
ou "Este Peru é besta mesmo hein!".

Fico louco de raiva, e não é para menos!

Glu, Glu, Glu, não é fácil esta minha vida de Peru...

monotonia de ter que comer para encher o papo,
de ouvir para ter a certeza de que não sou surdo
e de reagir de vez em quando só para estar
convencido de que ainda estou vivo.

Grande coisa! 

Tem gente que vive reclamando de tudo, mas eu não!
Quero apenas contar esta minha vida de Peru,
afinal de contas é isto que sou. Não sou uma besta!

Engraçado, ao olhar para a vida das pessoas
vejo tanta semelhança com a vida dos Perus.
Perus e Pessoas nascem de ovos, gritam,
enervam-se e ficam vermelhos de raiva.

Tanto Perus, quanto Pessoas,
tem por hábito comer e beber.
Pessoas e Perus correm, brincam e brigam,
dormem e descansam, esbravejam, estufam o peito,
fazem poses e reclamam quando não são ouvidos.

Entretanto, apesar das semelhanças, descubro
uma exponencial diferença entre as Pessoas e os Perus:

As pessoas encontram mil e um motivos
para fazerem festas, os Perus não. E tem salgadinhos,
bolos, refrigerantes e cervejas, beijos e abraços,
músicas, danças e bailarinos, palhaços por todo canto
olhares langorosos e apaixonantes,
enquanto os Perus no terreiro vivem na monotonia,
sem ter, praticamente, nenhuma diversão.

Estou pensando em imitar as Pessoas
e promover uma grande festa só para Perus...

Glu, Glu, Glu, hoje o dia está bem diferente,
não estou no terreiro entre os Perus, estou dentro da casa
e junto com as Pessoas, elas estão cuidando bem de mim,
me olham de um jeito especial e isto é incrível!

São tantas as carícias que chego a ter a impressão
de que querem me comer.

Hoje estou bem humorado e, brincadeiras à parte,
aonde quer que eu vá tem sempre alguém me olhando
como se eu fosse muito especial. Estou me sentindo
importante, afinal de contas estou sendo tratado
como um Rei e todas as pessoas me olham como se
eu fosse o motivo de grande festa.

Ouvi dizer que hoje é a véspera, não sei o que isto significa,
mas estou gostando de ser tratado com distinção,
ninguém me perturba, ninguém assovia, estão carinhosos
comigo, hoje estou muito feliz! Estou bebendo muito,
mas ainda não estou bêbado, não estou falando asneiras,
muito menos sonhando, podem acreditar!

Glu, Glu, Glu, agora tem uma coisa que está me deixando
um pouco triste, pois olho para todo lado e todo canto
e não vejo nenhum dos meus amigos Perus.

Entretanto, sei que nem tudo pode ser perfeito,
e há males que vem para bem. Se aqui estivessem,
os meus amigos Perus, os carinhos e atenção
que são destinados a mim seriam repartidos com todos eles.

Quer saber, já que fui o escolhido para ser cortejado,
que me importa os outros Perus e o que pensam a respeito.
Vou aproveitar este dia, aproveitar muito, pois eu sei,
muito bem, que nem todo dia é dia de Peru!

Gulu, Glu, Gulu... Tenho a impressão de que exagerei
um pouco... bebi demais; festejar é bom, mas eu não estou
acostumado, parece que passei do ponto.

Certo está o adágio popular: "Quem nunca come mel,
quando come se lambuza!". 

Agora estou um pouco cansado,
é muita gente fazendo festa para um só Peru.
Assim não há Peru que aguente! Já não quero mais beber,
mas insistem tanto e eu tomo mais um gole, e outro,
e outro, e mais outro... Estou até tendo enjoos...

Gulu, Glu, Gulu, Gulu... Vejo imagens múltiplas de Pessoas
andarem para todo lado, como se estivessem preparando
uma grande festa. Olho e fico pensando que vai ser
uma festa e tanto, vejo temperos, facas afiadas,
água fervendo e tantas coisas mais... Mas estou preocupado
por não poder ajudar nos preparativos, pois já estou bêbado,
desorientado, minhas pernas parecem não aguentar o peso
do meu próprio corpo. Entretanto, estou tranquilo, pois,
se quisessem a minha ajuda, não teriam me embebedado
a ponto de eu ficar assim ligeiramente incapacitado...

Gulu, Gulu, Gulu, Gulu... Passei dos limites, estou entre
a razão e o sonho. Penso que todos deviam deixar eu sonhar
em paz! Apesar de bêbado, estou muito feliz!

Êpa! O que é isto? Alguém está segurando agora
o meu pescoço, quero gritar e reagir, mas não consigo.
Por que estão fazendo isto comigo?
Será que isto faz parte do ritual de uma grande festa?

Sinto que vou desmaiar, mas quer saber de uma coisa,
simplesmente vou fechar os olhos e dormir.

Sim, é isto que vou fazer! Ao acordar, porém,
se ainda estiver em tempo quero festejar com todo mundo...
Mas, se não der tempo, quero que festejem sozinhos!

Boa Noite!!! Boa sorte!!!


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