COM CERTEZA, O SEU POVO.
(AUTOR DESCONHECIDO)
O MENINO DO DEDO TORTO
TÉRCIO STHAL
Dona Conceição tem seis filhos e já está vindo
o sétimo. Seus filhos são Jerusa, Jerônimo,
Josuel, Jesualdo, Jorge Luis e Joana.
É mês de Novembro, e nasce Jenilson. Forte,
moreno, bonito, alegre e com o dedo da mão
direita torto para a esquerda.
Fome e sede. Boca seca, olhos sem lágrimas,
choro mudo. O sol queima tanto a pele que
a faz parecer com o couro de crocodilo.
E vem o primeiro aniversário de Jenilson.
Ele não sabe andar, fala pouco, engatinha
e quase sempre coloca o dedo aonde não deve.
Quer comer, quer brincar, quer carinho.
Aos dezessete meses ele anda. Com as pernas curvas,
titubeando, com pés grandes e descalços,
aos trancos e barrancos. Derruba as vassouras
e as roupas do varal, puxa o rabo do gato,
atira pedras no cachorro e cava terra para comer.
Terra é o seu prato preferido.
Choveu!
Aos dois anos Jenilson enfia o dedo no nariz,
estala-o no canto da boca e, ao apontar para alguém,
produz gesto obsceno que provoca risos e deboches.
O dedo torto é sua marca pessoal, é o seu “xodó”,
o descobridor de curvas nunca dantes transitadas.
Aos seis anos de idade, após a chuva, Jenilson desaparece.
Todos estão preocupados, mas um tio dele sentencia:
“Este menino deve ter sido arrebatado, ochente!”
Maranguape toda procura por ele.
E a notícia de seu desaparecimento
já corre por todo o Estado do Ceará.
Antes disto era comum vê-lo, ao cair da tarde,
cavando a terra e apontando para o céu.
Parecia conversar com a lua e com as estrelas.
Fininha, a estrela alegre e esperta
de Interplanetária I, está levando Jenilson
para conhecer, de perto, o arco-íris.
Fininha gosta de contar histórias, algumas estórias
e segredos. Jenilson ouve cada uma delas atentamente.
Nada parece real, parece sonho, sonho de criança feliz.
Alguém já disse que “Infeliz é a criança que não sonha”.
Jenilson está agora acima das cores do arco-íris
e enxerga pequenas frestas, por onde vê o mundo todo
em toda a sua extensão, dimensão e comprimento.
Com seu dedo torto ele procura mel entre as cores,
entre as frestas do arco-íris. E corre, a pular de cor
em cor, admirado com tamanha beleza.
Com simplicidade e sotaque nordestino conversa
com os satélites, com as estrelas e com pequenos planetas.
Assim, fica sabendo de muita coisa interessante, inédita
e importante. Quando Jenilson chega em Interplanetária II,
começa sua aprendizagem escolar mais avançada.
Aos doze anos, de carona na cauda da estrela Geninha,
Jenilson vai em direção ao final do arco-íris,
vai em busca dos potes de ouro e de mel.
Chegando na Constelação Colíris Anuente, Geninha pára
e abastece sua luz interior. Colíris Anuente é linda,
está entre o cume do arco-íris e a linha do horizonte,
no princípio da descendente.
Geninha e Jenilson decidem ficar um tempo ali,
junto de outras estrelas cadentes e de crianças
curiosas e aventureiras, que sonham encontrar ouro e mel.
Sempre ouço dizer que “toda vez que uma estrela cadente
move-se no céu, existem crianças curiosas e aventureiras
viajando em sua cauda”. Talvez seja verdade.
Jerusa casou-se com um paulista e foi morar no sul do país.
Jerônimo, por ironia do destino, afogou-se
no Rio São Francisco. Josuel está namorando sua prima
Josefina, e casam-se daqui a um mês. Jesualdo trabalha
na Usina de Açúcar e do Álcool em Pernambuco.
Jorge e Joana brigam o tempo todo.
“Sêo” Chico Nonato, pai de Jenilson, morreu tísico.
Dona Conceição, aos 61 anos de idade, está ativa
nas Frentes de Trabalho do Governo.
Mas Jenilson já nem se lembra de seus pais,
nem de seus irmãos, nem do Ceará, nem das tardes
em que ficava a olhar o céu e as estrelas,
a esperar a chuva e o surgimento do arco-íris.
Em Colíris Anuente, Jenilson se destaca pelo seu sotaque,
seu jeito rude e seu dedo torto. Ali convivem nortistas,
nordestinos, judeus, turcos, africanos e ciganos.
Ali estão, também, ingleses, alemães, italianos,
paulistas, e gaúchos, entre outros.
Juvenil conta que sete anões espertos guardam
os potes de ouro e de mel. Ninguém consegue chegar perto.
Suas armadilhas são fatais. Israel fala sobre a arca
e o arco da aliança e sentencia: “O mundo não será destruído
pelas águas, nunca mais!”.
Histórias e estórias são contadas. As crianças se divertem.
Os astros, as estrelas e os asteróides ouvem atentamente
e sorriem aliviados.
Jenilson tem 14 anos. O céu está parcialmente nublado,
entretanto “o céu não é o limite!” Por todo lado Jenilson
e seus amigos veem rastos em direção ao final do arco-íris.
Descendo, veem caroços, cascas e sementes de frutos.
Há também marcas de patas de gatos e de cachorros,
além de favos de mel e pedras brilhantes de rara beleza.
Com as mochilas cheias de pedrinhas, eles caminham
enfrentando todo tipo de perigo. Estão dispostos a conhecer
a verdadeira história do arco-íris.
Com sede e pisando em terrenos escorregadios,
Jenilson pensa consigo mesmo: “apesar de tudo,
aqui é bem melhor do que no meu Ceará”.
Xavier grita: Ei pessoal, ali à direita tem uma floresta!
Juvenil diz: É um grande bosque! Heleninha lê a placa:
“Atenção, não se aproxime, aqui é o Horto dos Anões!
Perigo!!!”Vejam, então tudo é verdade, exclama Genebaldo".
Na porta está escrito: “Quer ir ao Horto dos Anões,
conheça primeiro o Planeta X!” Ao lado dela,
de uma mini-janela em recorte retangular, estátuas animadas
estão a dizer: “Dê o seu nome e aguarde.”
Curiosos, Jenilson e seus amigos aguardam. Querem conhecer
o Planeta X. Ao se abrir o portal, surgem os habitantes de X.
Os habitantes de X são pessoas diferentes, misteriosas,
estressadas, e de hábitos muito estranhos.
Ali, no Planeta X, o chefe deles é rude, usa termos chulos
no trato interpessoal e, correndo de lá para cá e de cá
para lá, de modo provocante, vive a arrumar intrigas. Ameaça
os seus comandados, destrata-os e os humilha, por prazer.
O interessante, porém, são as portentosas máquinas
que eles usam para filmar até os ossos e lançar raios
em todas as direções. Mas, tem um detalhe, os habitantes de X
usam corações de chumbo, para se defender das agressões
dos raios e do chefe.
Ao saírem do Planeta X, Jenilson e seus amigos são atacados
por centenas de abelhas barulhentas e comentam: “Se aqui
estão as abelhas, então existe o mel”.
A placa continua ali, advertindo: “Atenção, não se aproxime!
Aqui é o Horto dos Anões! Perigo!!!” E as abelhas atacam
cabeças e cabelos, um verdadeiro horror.
Atrás da placa, pode-se ler: “Ouro e mel, mel e ouro”.
Muitos querem entrar mesmo ouvindo gritos estridentes a dizer:
“Parem, não empurrem, aguardem a vez, você não foi chamado,
e se não tem paciência, vá embora, vá embora!”
Lá de dentro do Horto dos Anões os gritos são de desespero:
“Socorro! Não me machuque, está doendo! Vai quebrar!
Não me matem!” E, depois, saem engessados, em macas,
com parafusos pelo corpo e muletas, em cadeiras de rodas
e, quase sempre, chorando.
Amedrontados com o que viram, Jenilson e seus amigos
andam por entre as cores e frestas do arco-íris,
com as mochilas cheias de pedrinhas brilhantes,
até chegar em Colíris Anuente.
Ali, ouvem perguntas: “Por onde andaram? O que fizeram
este tempo todo? O que tem aí nessas mochilas?
E, respondendo uma a uma delas, satisfazem as curiosidades
e, de carona na cauda de brilhantes estrelas,
animados e felizes partem dali.
Aos dezesseis anos de idade Jenilson desce às margens
de um açude quase seco no interior do Ceará
e as pessoas admiradas perguntam:
“Aonde encontrou tanto ouro e tantas pedras preciosas!?”
E ele responde: “No arco-íris, ochente!”
Homem rico, Jenilson é respeitado por toda parte;
está famoso e conhecido em todo o Norte e em todo
o Nordeste do Brasil. Eleito Prefeito de Campos Sales,
é amigo de todos e cumpre o seu mandato
com reconhecida eficiência. Maranguape está orgulhosa
de seu filho.
Mas, “nem tudo são flores, nem tudo o que reluz é ouro,
nem tudo o que é doce, é mel!” Dona Maria da Conceição,
acometida de mal súbito, morre. Triste e desalentado,
Jenilson definha a olhos vistos.
Aos vinte e oito anos de idade, o menino do dedo torto
morre de infarto e deixa todos os seus bens
para os seus irmãos.
Todos os jornais do Norte e Nordeste estampam a notícia
em letras maiúsculas, em letras garrafais:
“O Brasil perde um grande homem,
o bom menino do dedo torto".
Não existem lenços suficientes para enxugar
tantas lágrimas.
E qualquer semelhança com a vida real,
pode ser mera coincidência.
É o fim.